Padre Cicero

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Tela de Vilma Maciel

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Roubaram minha Maca
 Acredite se quiser. Não há mais vagas nos hospitais públicos. E quem conseguir ser atendido, medicado e posto numa daquelas horríveis macas estreitas, sem conforto destinada apenas para transportar pacientes da emergência para enfermarias, ou UTIs, entre a vida e a morte, ainda se acha privilegiado.
 O fato é quem conseguir a tal maca, permaneça nela, se não corre o risco de morrer sentado, como o Leleco, 23 anos, sabe lá que profissão. Chegou no Regional com duas balas no abdome e uma fratura na Tíbia, vários ferimentos. Seu pobre pai aflito o acompanhava com uma paciência de Jó. Fazia tudo que o filho pedia.
 - Pai! Quero sentar!
 O pai atendia seu pedido. Três minutos depois...
 - Pai! Me deita! Não aguento mais.
 Lá Seu José deitava novamente o rapaz.
 - Pai me deita!
 - Pai quero água!
 - Não pode...você vai fazer exames!
 Ponderava o pai.
 - Porra de exames pai...quero água.
 - Fica quieto Leleco, não posso te dar água agora.
 - Enfermeira!!! Enfermeira!!! Ei você aí! Ei! Me dê água!
 Leleco abriu o bocão a gritar. Perturbava, esbravejava:
 - Ei! Ei! Quero água... Tô morrendo de sede! Vou morrer de sede! Vocês querem me matar de sede. Ai! Ai! Ai! 
 - Psiu! Psiu! Pede silêncio a enfermeira. Você não pode beber água antes dos exames.
 - Quando é essa porra desses exames? Eu não aguento mais. Tô com sede...Tô com dor. Ai! Ai! Ai!
 Não se sabe porque os tais exames ainda não fora feito, na verdade já passava da hora marcada e o Leleco:
 - Pai! Eu quero "mijar".
 - Vou buscar o "bico de papagaio", filho.
 O enfermeiro procurou a ajudar o rapaz ensinando a utilizar o parelho, de nada adiantou, Leleco não conseguia.
 - Pai! Quero "mijar", me lava pro banheiro.
 - Não pode filho. Será preciso três homens pra te tirá dessa maca com esses pinos na perna, esses ferimentos.
 - Quero ir ao banheiro, me leva! Me leva! Me leva!
 O pobre pai apela para os acompanhantes dos outros pacientes.
 - Espere um pouco Leleco, tem uma fila danada no banheiro!
 - Peça pra me dá a vez!
 - Tá bem filho! Eu não lhe disse pra deixar... essa vida que você leva... sem futuro...drogas, amizades e violência dá nisso!
 - Pai! Me tira dessa porra!
 - Tá bem filho. Me ajudem aqui gente. Devagar!
 Levam o Leleco numa cadeira de roda para o banheiro. O rapaz respira com dificuldade.
 Volta do banheiro e grita:
 - Roubaram minha maca! Pai! Cadê minha maca? Ai! Ai! Corre pra me botar naquela ali desocupada.
 - Não Leleco...é a maca do outro.
 - Se levaram a minha...me bota nessa. Eu não aguento mais, estou sem fôlego! Me deita pai!
 - Calma filho! Calma!
 - Eu quero minha maca!
 Grita desesperado. Na verdade, o rapaz estava muito doente, quase sem forças. Seus pulmões já não funcionavam bem. Quase desmaiando Leleco insistia:
 - Quero água...Pai! Pai! estou morrendo.
 Desmaia.
 - Corre enfermeira chame os médicos, meu filho está morrendo!
 Médicos, enfermeiros cercam a cadeira, pois a tal maca que o rapaz tanto pedia foi utilizada para transportar outro paciente para a UTI.
 Arranjaram urgente, sabe Deus onde, outra maca para levar o Leleco direto para a UTI. O rapaz estava com água nos pulmões e sem ar. O caso era grave. Se saiu vivo ou morto, não se teve notícia. De uma coisa temos certeza, hoje, as estatísticas apontam o maior número de mortes de jovens envolvidos nas drogas e violência.

Vilma Maciel


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